domingo, 25 de março de 2012

Teimosia

Ela me disse certa vez, para eu publicar e eu sei que esse dia vai chegar.
Ela disse para eu não parar de escrever, pra eu continuar.

Ela gostava de me ler e comigo, ela aprendeu a escrever.
Com ela, eu aprendi a viver.

Ela dizia que eu era livre e que achava lindo, eu amar cantar.
E que não ter forma e não enquadrar era sempre melhor. Porque rimar?

Mas agora eu insisto em fazer o contrário,
só pra ver se ela vai voltar.

...

Mas agora, com um pouco de vergonha, olho para dentro e vejo ainda com olhos confundidos:

"Menina! Não percebe que dentro de vc, eu vivo?"

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

À procura da delicadeza

Existe uma arte, que eu chamo de arte da delicadeza. E como qualquer outra arte, essa também exige uma aprendizagem de desaprender ou, como disse Fernando Pessoa "devemos raspar a tinta com que nos pintaram os sentido", para assim toda a crosta de repetição, mediocridade e medo se dissolverem como açúcar na chuva. E assim, limpo de todas essas formas de desencontro, a autenticidade florescer. E sim, eu acredito que em minha maior autenticidade há a delicadeza. Em nossa maior autenticidade, há a delicadeza.
Sem medo de parecer boba ou inocente, é nisso que eu acredito. Aliás, ser positivo, ser otimista e utópico são as qualidades que mais admiro em uma pessoa. Mas, amanhã escrevo sobre isso.

Ser delicado é viver em estado de candura, é ser veloso, sereno, cuidadoso e amoroso em essência. É ser altruísta. A delicadeza pode ser sentida, pensada ou feita através de um ato, mas nesse nosso tempo isso é raro. Precisamos de extremos para sentirmos o mínimo e isso é bruto, ríspido, grosso. Os risos são extremados ou programados, o choro é escondido ou desesperado. Isso não é ser delicado.

A minha avó, cujo nome me deu de presente, é a pessoa mais delicada que eu já vi. E ela é assim porque, mesmo quando eu mereço alguns gritos, eu escuto sua voz mansa e doce. E com isso, eu vi nesses 22 anos, que algo que vai além do delicado, não é funcional, é um extra, um excesso que atrapalha. Um grito, é um excesso de voz, um tapa é um excesso de afeto, o desespero é o excesso da dor.

A delicadeza não está em oposição à firmeza, à retidão de caráter e idéias e ela não é sinônimo de algo leviano ou solto. Ser delicado é ser brando, mesmo quando se é firme. E isso coloca nosso pensamento binário de cabeça para baixo, por isso é tão difícil de imaginar uma coisa contendo a outra, pois fomos ensinados a pensar nos opostos e não nos complementares.

Ser delicado é ver e sentir muito em cada "pouco" que a vida nos dá. E tudo isso, sem saber, minha Vovó Minha me ensinou. Eu amo chegar na casa dela e perguntar:
- Vovó Minha, o que vc fez hoje?
- Ah, Habib, eu acordei, tomei banho, me perfumei e passei meu batom pra te esperar. Também fiz a lista do mercado pra seu pai comprar. Olhe, troquei sua roupa de cama e sua toalha, estão limpinhas.

Essa sua capacidade de descrever minunciosamente o dia, me alegra. Para mim, seria simplesmente: "Não fiz nada, passei o dia todo em casa". Ser delicado é ser como minha Vó Minha. É ensinar a neta a dobrar meias, a ter um livro caixa para ter as finanças na ponta do papel, é engomar o enxoval da neta, é se perfumar para se deitar, é ter três sapatos e deles cuidar com esmero. É falar esmero, quarar, alvo, aciar, sentina, me banhar, rouge, "rial". Ser delicado é conversar com o taxista, dar bom dia sorrido, ser gentil com o colega de banco do ônibus, é sentar na sala para mostrar à neta o antigo álbum de fotos.

Mas hoje, com tantos exageros, as mãos precisam ficar grossas para a pele suportar o "tanto", o excesso e com isso, tantas vezes, acabamos exagerando na maquiagem tentando encobrir esse "plus". E eu não falo dessa pele palpável... falo da pele da alma.

Mas no "tempo da delicadeza"... o pouco é muito e o muito, assim, se torna pouco.


Mais uma vez, Pessoa:
"Tudo contém muito, se os olhos bem olharem"

O legado da consciência

E se, de fato, tudo isso aqui fosse comido pelas minhocas, e nada depois disso sobrasse?
- Assim, nós só teríamos o Agora... e, cada segundo existindo seria um Milagre
- Seria um Milagre?
- Nem o mais radical niilista escapa do sentido de Ser
- Há sentido em tudo?
- Esse é o legado da consciência... e eu insisto em intuir que eu sou além do que as minhocas e micróbios devoram...
- Eu não intuo nada além do Agora
- Veremos
- Ou não
- Ou não

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

últimos dias de inverno.

vento acalmando a pele,
pele esquentando o sol.

jasmim, lençol,
preguiça, água com sal.

pernas, pés...
pó.

primeiros dias de verão.
Questionem a necessidade/ Sobretudo do que é habitual!
Pedimos que por favor não achem/ Natural o que muito se repete!
Porque em tempos como este, de sangrenta desorientação
De arbítrio planejado, de desordem induzida
De humanidade desumanizada, nada seja dito natural
Para que nada seja dito imutável.

B. Brecht
O Amor é só canto. E não é esse belo, que acarinha os sentidos. Eu falo do canto físico. O da sala, o do quarto, o do peito, o do corpo. Existem tempos em que o Amor vira murmúrio, letras miúdas, passos trêmulos. Ele é só isso. Se enche de pouco, transborda pequenez. Grita tão alto que tudo que o ouve, são as paredes e a moriçoca, que por tropeço passou. Lá no cantinho, de cócoras ele se procura e não se acha. Esses dias, de passagem por um desses cantos, eu o vi. Eu o escutei. Ele dizia:
- Onde está vc, Amor?
E o único eco, foi a sua infantil voz. Sem saber que ele era justamente o que procurava, ele gritava mais, e mais, mais... sua voz, antes fraca e trêmula, foi se vestindo de rouquidão. E na sua frente, o medo passou e o escutou, resolveu parar para o observar. Logo depois, sem dar tempo para um novo grito, chega a insegurança, que escuta sua respiração ofegante, e também pára. O cansaço vem vagaroso e também pára. Logo depois vem a mediocridade, que também fica. Por último, pára o egoísmo e observa, calmamente o Amor, já exaurido e constrangido, com tudo o que se acumulou em platéia em sua frente.
Então o Amor, tão cheio de si e tão oco, se assusta com o que vê em sua frente e pergunta:
- Eu procuro o Amor, da minha boca só sai ele e vcs que surgem em minha frente?
E o medo, se achando porta-voz de todos que estavam do seu lado, diz:
-Se vc não procurasse aqui fora, nada vc teria perdido.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Expurgando

Sexy. Sensual. Atraente. Impecável.
Desejável. Invejável. Bem sucedido. Inteligente.
Popular. Rico. Chique. VIP.

Hoje cheguei ao meu limite. Enjoo.

Fila do mercado. Escuto uma conversa de duas mulheres atrás de mim. Durante meia hora essas duas pessoas falaram sobre 2327 formas de enloirar os cabelos, colorir unhas, pintar o rosto, etc. Durante a conversa:

- Ele (o cabeleireiro) quis me trapacear amigaaa! A hidratação (chocolate, ouro, diamante, não lembro) era 150.00, mas ele me cobrou 180.00 !!! Como pode?
- Ai que absurdo!
- Pois é, aí eu chamei ele em um canto e disse: "Seja chique! Vc não precisa disso!"
- Isso mesmo, amiga!


Em que ponto chegamos: fundimos ética e chiqueza.