quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

À procura da delicadeza

Existe uma arte, que eu chamo de arte da delicadeza. E como qualquer outra arte, essa também exige uma aprendizagem de desaprender ou, como disse Fernando Pessoa "devemos raspar a tinta com que nos pintaram os sentido", para assim toda a crosta de repetição, mediocridade e medo se dissolverem como açúcar na chuva. E assim, limpo de todas essas formas de desencontro, a autenticidade florescer. E sim, eu acredito que em minha maior autenticidade há a delicadeza. Em nossa maior autenticidade, há a delicadeza.
Sem medo de parecer boba ou inocente, é nisso que eu acredito. Aliás, ser positivo, ser otimista e utópico são as qualidades que mais admiro em uma pessoa. Mas, amanhã escrevo sobre isso.

Ser delicado é viver em estado de candura, é ser veloso, sereno, cuidadoso e amoroso em essência. É ser altruísta. A delicadeza pode ser sentida, pensada ou feita através de um ato, mas nesse nosso tempo isso é raro. Precisamos de extremos para sentirmos o mínimo e isso é bruto, ríspido, grosso. Os risos são extremados ou programados, o choro é escondido ou desesperado. Isso não é ser delicado.

A minha avó, cujo nome me deu de presente, é a pessoa mais delicada que eu já vi. E ela é assim porque, mesmo quando eu mereço alguns gritos, eu escuto sua voz mansa e doce. E com isso, eu vi nesses 22 anos, que algo que vai além do delicado, não é funcional, é um extra, um excesso que atrapalha. Um grito, é um excesso de voz, um tapa é um excesso de afeto, o desespero é o excesso da dor.

A delicadeza não está em oposição à firmeza, à retidão de caráter e idéias e ela não é sinônimo de algo leviano ou solto. Ser delicado é ser brando, mesmo quando se é firme. E isso coloca nosso pensamento binário de cabeça para baixo, por isso é tão difícil de imaginar uma coisa contendo a outra, pois fomos ensinados a pensar nos opostos e não nos complementares.

Ser delicado é ver e sentir muito em cada "pouco" que a vida nos dá. E tudo isso, sem saber, minha Vovó Minha me ensinou. Eu amo chegar na casa dela e perguntar:
- Vovó Minha, o que vc fez hoje?
- Ah, Habib, eu acordei, tomei banho, me perfumei e passei meu batom pra te esperar. Também fiz a lista do mercado pra seu pai comprar. Olhe, troquei sua roupa de cama e sua toalha, estão limpinhas.

Essa sua capacidade de descrever minunciosamente o dia, me alegra. Para mim, seria simplesmente: "Não fiz nada, passei o dia todo em casa". Ser delicado é ser como minha Vó Minha. É ensinar a neta a dobrar meias, a ter um livro caixa para ter as finanças na ponta do papel, é engomar o enxoval da neta, é se perfumar para se deitar, é ter três sapatos e deles cuidar com esmero. É falar esmero, quarar, alvo, aciar, sentina, me banhar, rouge, "rial". Ser delicado é conversar com o taxista, dar bom dia sorrido, ser gentil com o colega de banco do ônibus, é sentar na sala para mostrar à neta o antigo álbum de fotos.

Mas hoje, com tantos exageros, as mãos precisam ficar grossas para a pele suportar o "tanto", o excesso e com isso, tantas vezes, acabamos exagerando na maquiagem tentando encobrir esse "plus". E eu não falo dessa pele palpável... falo da pele da alma.

Mas no "tempo da delicadeza"... o pouco é muito e o muito, assim, se torna pouco.


Mais uma vez, Pessoa:
"Tudo contém muito, se os olhos bem olharem"

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